Chinese Kung Fu Ton-Long: O Templo de Shaolin

Adsense

O Templo de Shaolin





No início da minha vida na arte marcial chinesa, li muitos livros interessantes, mas nenhum me marcou tão profundamente como um livro do grande mestre Natali, chamado " O espírito marcial".

Gostaria de iniciar esse blog, com um trecho muito interessante que é a admissão de jovens, aspirantes a monges do templo de shaolin. Lá o autor descreve todas as dificuldades e testes pelos quais os jovens passavam, antes de aprenderem o verdadeiro kung fu...



" Segundo relatos antigos, os novos discípulos eram admitidos no templo no início da primavera, que coincidia com o tempo das grandes chuvas. Nesses dias os pais que desejavam que seus filhos se tornassem monges, os levavam ao pátio frontal às escadarias do templo e lá os deixavam sozinhos aguardando que os monges os convidassem a entrar. Essas crianças tinham em média de 7 a 12 anos de idade. Considerando-se a dispersividade que caracteriza as crianças dessaidade, imagine como eram rigorosos os testes que descreverei a seguir. Os monges não abriam logo as portas do templo (às vezes demoravam alguns dias) e as crianças eram obrigadas a suportar ao relento o sol e as chuvas torrenciais que costumavam cair nesse período.

Muitas das crianças abandonavam a espera e voltavam para suas casas. Outras crianças eram conduzidas de volta por seus próprios pais que não suportavam vê-las sofrer. Embora não abrissem as portas os monges observavam o comportamento das crianças e iam selecionando aquelas que consideravam suficientemente disciplinadas para suportar as árduas exigências do templo. Quando as portas se abriam os monges mandavam de volta para casa as crianças que consideravam que não suportariam seus ensinamentos. As demais crianças eram admitidas no primeiro pátio interno e conduzidas a uma grande mesa onde já estava sentado um velho monge(geralmente o patriarca do templo). Quando se sentavam à mesa eram observados seuscomportamentos.

Se pediam comida (podiam estar há três dias sem comer) eram servidas e depois mandadas para suas casas, pois era considerado indecoroso pedir comida ao invés de aguardar o momento de serem servidas. Se corressem para a mesa avidamente ou apressadamente demais, também eram dispensadas. Às que passavam por esse teste era dado uma tigela sem fundo, uma grande bolacha seca achatada (do tamanho do fundo da tigela) e era servido o chá. O procedimento correto era forrar o fundo da tigela com a bolacha para que pudesse ser servido o chá sobre ela. As crianças que não o faziam eram dispensadas sumariamente, pois
não eram consideradas suficientemente inteligentes para aprender os ensinamentos do templo.

Se a criança agisse corretamente colocando a bolacha no fundo da tigela, mas começasse a tomar o chá antes do monge idoso que estava sentado à mesa, era mandada de volta para casa, pois o respeito aos idosos era de grande importância na cultura chinesa. Supondo que o garoto conseguisse superar esses testes, ainda enfrentaria outros. Logo em seguida a essa fase lhe era entregue uma vassoura e lhe ordenavam que varresse um determinado pátio. Mal ele tivesse terminado de varrer surgia algum monge com os pés enlameados e sujava todo o lugar que havia sido varrido. Assim que o monge porcalhão desaparecesse por uma porta qualquer surgia o monge que lhe havia ordenado que varresse o lugar e o interpelava mais ou menos assim: - Eu não mandei que você varresse esta sala? Olhe só que imundície! Você é um vagabundo que não obedece às ordens que recebeu!

Se o garoto resmungasse que já tinha varrido ou que depois que tinha varrido tinha vindo um cara e sujado tudo outra vez, era mandado embora, pois não tinha suficiente dedicação ao trabalho para permanecer no templo. O garoto deveria abaixar a cabeça e continuar a varrer sem proferir nenhuma palavra. Este teste da varredura era repetido diversas vezes como prova dahumildade, da paciência e da perseverança do postulante. Havia uma variante desse teste em que o monge que mandara o postulante varrer retornava e afastava um painel que dava para outra sala tão grande quanto a primeira. Em seguida interpelava o garoto perguntando por que não varrera a outra sala também.

Se o menino respondesse que não lhe tinham ordenado que varresse a outra sala era sumariamente dispensado. Seu procedimento deveria ser de extrema humildade, deveria abaixara cabeça e continuar a varrer sem retrucar. Pessoalmente não creio que nenhum garoto ocidental superasse satisfatoriamente esta prova, a menos que tivesse sido previamente instruído sobre como deveria se comportar. Depois que superava os testes iniciais o postulante era submetido atodo tipo de provação, e executava todas as tarefas menos agradáveis do templo por longo período. Buscar água era uma tarefa penosa, pois os baldes eram propositadamente imensos e mesmo quando vazios bastante pesados. Havia também as tarefas da cozinha que eram muito desagradáveis, quando não monótonas e exaustivas. As tarefas de limpeza incluíam lavar as latrinas, retirar a poeira dos imensos arabescos e baixos-relevos que existiam por quase todas asparedes do templo, cuidar das folhas e das ervas daninhas dos vários jardins, lavar escadarias e corredores imensos, etc.

Durante esse período inteiro o postulante passava por periódicas humilhações por parte dos estudantes mais avançados, todas elas com a intenção de testar-lhe a fibra moral e a paciência. E todas essas tarefas e testes que eram impostos aos garotos não os livravam de cumprirem outras obrigações relacionadas com as práticas budistas e com o estudo das doutrinas ensinadas no templo. Dormia-se poucas horas cada noite e trabalhava-se arduamente. Quando começava a espelhar certa frustração ou cansaço, um monge se aproximava dele e lhe indagava há quanto tempo estava no templo. Geralmente os garotos respondiam que estavam lá há muito tempo, em parte porque não lhes era dado acesso a nenhum calendário que lhes permitisse saber há quanto tempo lá estavam; em parte porque estavam desejosos de iniciar a prática do Kung Fu que só era permitida a alunos mais avançados.

Mas se a resposta fosse essa, o aluno era deixado entregue a seus afazeres por mais alguns meses.A resposta certa seria: - Há bem pouco tempo estou aqui. (Mesmo que já fizesse alguns anos que lá estivesse.) Esta resposta era considerada correta porque diante dos dogmas do
Budismo a manifestação material no mundo que nos cerca é ilusória (Maya = Ilusão) e também é ilusório o conceito de tempo e de espaço. Não era obrigatória a prática do Kung Fu, mas se o jovem passasse em todos os testes que descrevemos até agora e manifestasse desejo de aprender o Kung Fu Shaolin, seu desejo seria escarnecido e ignorado por muitos meses. Depois desse abandono inicial passavam-se alguns meses e ele era convidado a participar das aulas de Kung Fu. Nas primeiras aulas era mais ou menos usado como um saco de pancadas e as surras eram duríssimas.

Se demonstrasse ter fibra, superando essa fase inicial que tinha sua duração determinada pelo comportamento do postulante então seria recebido como um discípulo de Shaolin, mudando a cor das vestes e o comportamento que recebia dos demais. Muitas de suas tarefas diárias eram transferidas aos postulantes menores e passava a receber incumbências de maior responsabilidade. Seus estudos dentro das doutrinas do templo eram mais profundos, e maior o número de matérias estudadas. As práticas ritualísticas e o período de meditação eram ampliados. Já não tinha que se alimentar na cozinha junto com os postulantes menos graduados, passava a frequentar as mesas dos refeitórios. Era transferido para os dormitórios superiores.

Até que recebesse as vestes amarelas e prestasse os votos monacais o postulante não cessava de ser submetido a testes periódicos que, embora menos humilhantes, não deixavam de ser bastante exigentes. Além dos testes de habilidade física e marcial havia os testes de habilidade artística - geralmente caligrafia e composição poética. Havia também os testes de doutrina budista e de medicina oriental (os monges eram excelentes acupuntores e massagistas). Quando evoluía em seus estudos aprendia vários idiomas e ajudava na tradução de textos budistas de origem pali ou sâncrita. O trabalho na lavoura também era obrigatório e todo monge tinha que fazer seu estágio na cozinha aprendendo auto-suficiência na arte culinária. Cada um desses assuntos exigia um teste de avaliação. Segundo a tradição chinesa o homem Kung Fu teria que se distinguir em pelo menos cinco áreas do conhecimento humano.

Ele deveria saber se exprimir no idioma chinês tanto oralmente como por escrito de maneira impecável. Ele deveria possuir uma caligrafia de rara beleza que chamasse a atenção de quantos a vissem. Ele deveria ser capaz de se exprimir em versos, de conhecer poesia e os textos clássicos com alguma profundidade. Ele deveria se exprimir em alguma forma de arte com grandehabilidade - geralmente desenho ou pintura. Ele deveria conhecer os rudimentos da lavoura e da arte culinária e ser capaz de transmitir tais conhecimentos às pessoas do povo que necessitassem deles. Ele deveria ser hábil no uso das agulhas da Acupuntura, e na falta delas ter conhecimentos suficientes da Medicina oriental para poder tratar um paciente aplicando dedos habilidosos sobre os pontos dos meridianos de energia utilizados na Acupuntura. Ele deveria ter uma consciência política e econômica para poder desempenhar o papel de educador diante do povo, segundo os melhores procedimentos da tradição de Confúcio.

Ele deveria possuir sólidos conhecimentos das doutrinas religiosas, mormente o Budismo e o Taoísmo, para poder doutrinar e esclarecer dúvidas a respeito de tais assuntos. Ele deveria ser capaz de defender a si mesmo e aos desamparados que recorressem ao seu auxílio. Ele deveria ter noções de sobrevivência em condições inóspitas, na selva e em terrenos desconhecidos, devendo ser capaz de localizar ervas medicamentosas, preparar infusões curativas, colocar no lugar ossosquebrados, preparar beberagens e poções. Dentre os atributos que acabo de citar, o homem Kung Fu tinha que se destacar em pelo menos cinco deles. A falta de pelo menos cinco dessas qualidades o desqualificaria como praticante de Kung Fu, mesmo que se tratasse de um habilidoso lutador.Há que compreender que para a tradição chinesa, devido às influências de Confúcio, a cultura geral de um homem era muito mais respeitada que sua capacidade de lutar. Recentemente foi mencionado na obra "Chinese Boxing Masters and Methods", de autoria de Robert Smith, o professor Cheng Man-Ch'lng, famoso praticante de Tai Chi que tinha a alcunha de Mestre das Cinco Excelências.

Com isso o povo chinês lhe prestava homenagens tratando-o como um mestre cujos conhecimentos comparavam-se com os grandes mestres da antiguidade. Ingressar no templo Shaolin exigia uma atitude muito séria e uma forte intenção de vontade que predispusesse o postulante a todo tipo de provação. As pessoas não entravam no templo meramente na intenção de aprender o Kung Fu. O templo Shaolin era, antes de tudo, uma escola de filosofia e religião e as pessoas que nele ingressavam o faziam com o objetivo de alcançar a realização espiritual. Se alguma pessoa lá entrasse apenas com objetivos marciais acabaria por se lamentar amargamente, pois não poderia mais sair a menos que atingisse um nível de proficiência espiritual ou marcial extraordinários. Aos monges que se dedicavam exclusivamente aos estudosdoutrinários e às práticas espirituais era facultada a saída do templo desde que em missões administrativas ou de caridade. Mas aos monges que haviam escolhido o caminho da Arte Marcial somente era permitida sua saída caso se distinguissem de maneira incomum na arte de lutar. Se fosse capaz de vencer os instrutores dos cinco estilos principais do templo poderia requerer a prova do corredor da morte. O corredor da morte era assim chamado porque nele havia cento e oito bonecos de madeira que eram acionados pelo peso de quem se atrevesse a penetrá-lo.

Tais bonecos eram confeccionados por artesãos habilidosos de maneira que, se o praticante escapasse dos golpes desferidos pelo primeiro, certamente teria que enfrentar o segundo e assim por diante. Cada golpe de defesa ou ataque desferido contra um dos bonecos gerava reações de ataques dos outros. Se o monge que os enfrentasse conseguisse sobreviver ao corredor, deveria levantar a urna arredondada incandescente para poder sair. Essa urna pesava aproximadamente 225 quilos e era colocada em um pedestal especialmente confeccionado, de maneira queautomaticamente abria a imensa porta situada ao fim do corredor. Essa porta não podia ser aberta a não ser dessa maneira. A cada monge era permitida a prática de, no máximo, dois dessesestilos, dessa forma o desconhecimento dos outros três estilos (sem falar no Vajramushti), garantiriam a sobrevivência do templo caso o monge se transformasse num renegado que traísse seus conhecimentos. Nas laterais da urna havia em alto-relevo as figuras dos cinco animais que simbolizavam os cinco principais estilos do templo. Era mantido fogo acesso no interior da Urna durante todos os dias do ano e sua superfície externa atingia uma temperatura tão elevada queonde fosse tocada a carne grudava e ficava impressa a figura do animal que estivesse gravado naquele ponto. Quem quer que tivesse superado os 108 bonecos do corredor da morte teria que levantar a urna para poder sair, e como a roupa dos monges era de seda (altamente combustível), o monge se via obrigado a retirar a parte de cima de suas vestes e, de torso nu, erguer a pesadíssima urna com os ante-braços e mudá-la de pedestal. A porta permanecia aberta por uns poucos momentos, e se o monge desmaiasse no processo ou não se atirasse para fora com certa rapidez, arriscava-se a perder todos seus esforços. Por uma questão de respeito às artes que praticara, o monge procuraria tocar na urna em pontos que contivessem a figura dos animais
que representavam os estilos que havia praticado, de maneira a ostentar em seus braços por toda a vida o desenho deles.

Evidentemente não basta a mera força física para se conseguir erguer um objeto de tão grande peso, e nem eram suficientes apenas técnicas marciais aprendidas no templo para se vencer os 108 bonecos do corredor da morte. Eram necessárias práticas mentais apuradas para que sedesenvolvessem certos poderes (hoje chamados paranormais), que permitiriam a realização de tais feitos extraordinários. Certamente você já ouviu falar a respeito de pessoas, aparentementefrágeis, que carregam pessoas com o dobro de seu peso e até pianos
imensos por ocasião de grandes incêndios. Depois que cessa o fogo essas pessoas percebem que em condições normais não seriam capazes de realizar tais esforços. Experiências têm comprovado que pessoas em condição de hipnose profunda são capazes de levantar imensos pesos e de se submeterem a imensas dores sem senti-las. Os monges Shaolin eram treinados em métodos avançados de Yoganidra transmitidos por Bodhidharma, que lhes permitiam realizaressas proezas todas e outras ainda mais impressionantes. O Yoganidra é uma técnica transmitida através do Yoga e do Vajramushti, que permite ao praticante atingir diretamente seusubconsciente de lá tirando forças para realizar tarefas que, sob condições comuns, seriam consideradas impossíveis. "


Fonte: " O Espírito Marcial" - Marco Natali - Ed. Ediouro
http://cbskungfu.alotspace.com/index.html




Nenhum comentário:

Postar um comentário