"Antigamente vivia próximo ao lago Ching-Hai um jovem monge que possuía grande habilidade em Kung Fu. Sendo tão hábil na arte de lutar esse monge era mais ou menos
convencido e orgulhoso. Seus colegas monges gostavam muito dele e por amizade o advertiam que deveria controlar seu temperamento e que essa sua habilidade pessoal não deveria tomar conta de sua mente, havendo coisas muito mais importantes na vida.
Não sendo burro, o monge compreendeu que seus amigos tinham razão e dedicou-se a seus estudos, à leitura de livros de Filosofia e à prática da meditação. No outono do ano seguinte, realizou-se uma grande competição de Kung Fu em Sagan-Ushu e o monge obteve autorização para participar dela. Chegando ao local das competições enfrentou todas as classes de lutadores; desde outros monges muito habilidosos em Kung Fu, a guerreiros de terras distantes exímios praticantes de outras modalidades marciais.
Devido a sua grande habilidade foi sagrado campeão e iniciou a viagem de regresso. Quando já caminhava há algum tempo, encontrou um lutador que o desafiou a lutar. Orgulhoso como estava por ter vencido a todos no campeonato, o jovem monge esqueceu-se da quinta regra e aceitou o desafio. Lutaram durante várias horas, até que o monge conseguiu vencer seu adversário mas, como havia anoitecido e estava cansado depois de tanta luta, decidiu dormir à margem do caminho. Com o raiar do Sol reiniciou sua caminhada de volta ao monastério.
Em determinado momento foi reconhecido por outros viajantes que o convidaram a almoçar com eles. Quando terminou de almoçar um deles o convidou a lutar. Sem poder recusar teve que enfrentá-lo. A luta tomou-lhe apenas meia hora, mas atraiu espectadores e assim que terminou de lutar um deles o atacou de surpresa, fazendo com que tivesse que lutar de novo. Nem bem liquidou com seu novo oponente, se agachou para pegar sua bagagem, foi novamente desafiado e nesse momento se recordou da quinta regra e dos conselhos de seus colegas monges, percebendo que onde quer que fosse sempre haveria alguém que o desafiaria.
À medida que lutava com o novo adversário, percebeu que este não era tão bom quanto os anteriores, o que lhe permitiu enfrentá-lo enquanto pensava em tudo que estava acontecendo. Foi então que os conhecimentos filosóficos que havia estudado e as meditações que havia feito vieram a sua mente. Chegou à conclusão que o EU INTERIOR era muito mais importante que o EU EXTERIOR.
Compreendeu que as vitórias que tinha obtido agradavam apenas a seu EU EXTERIOR, a seu EGO, a seu orgulho infantil. Compreendeu que o Kung Fu era a arte de vencer aquele impulso infantil de demonstrar aos outros sua grande habilidade. Então passou a abrir a sua guarda, a não defender os golpes do adversário e a deixar-se vencer. Quando vencido foi ridicularizado e abandonado por todos, que passaram a seguir o novo campeão. Caído no chão e ensanguentado pelos golpes de seu adversário, que para ele teria sido tão fácil de vencer, o monge sorria feliz.
Não queria mais ser um grande campeão de Kung Fu, pois sabia que o caminho de sua vida estava na meditação e no estudo. Com a derrota aprendeu que o Kung Fu era o TEMPO DE HABILIDADE para converter seu Eu em algo profundo e muito grande. Sua habilidade continuava a mesma, continuava apto a defender-se em alguma ocasião de perigo, mas agora poderia sentir satisfação com outras coisas além de sua capacidade de lutar.
Apanhou suas coisas e voltou ao templo."
Fonte: O "Espírito Marcial" - Marcos Natali (Editora Ediouro)
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